segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

As pessoas na época do cinzento:

Como já referi as pessoas eram cinzentas e tinham por habito usar frases negras "Cai o Carmo e a Trindade", "vai tudo por água abaixo", "fica tudo em águas de bacalhau", "é o fim do Mundo", "a 2000 chegarás de 2000 não passarás" (e eu fazia contas, e pensava que não havia problema porque nessa altura já era velha). "Seja o que Deus quiser", "se não vai a bem vai a mal", "ponha o coração de lado", "o que não tem remédio remediado está", "Há males que vêem por bem", "Deus escreve direito por linhas tortas", "Vão-se os anéis ficam os dedos ", "Não há mal que venha só", "o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita".
Socialmente, no meu entender, havia diferença entre as pessoas assim, existiam (lá) os políticos (ou o Salazar) e os padres, depois éramos nós "que vivíamos assim" e chamavam-nos os "fidalgos"que tomavam banho uma vez por semana, mas andavam limpinhos.
Depois eram os remediados que "andavam limpos com roupas remendadas e descalços (o que era a minha inveja), tomavam banho no Natal e na Pascoa".
Depois havia os pobres , que eram pessoas com roupas rotas ,descalças e que vinham nas primeiras Sextas - feiras de cada mês pedir esmola. Nesse dia abria-se o portão de manhã cedo, não podíamos andar no jardim , e então vinham os pobres até à porta da cozinha, aqui, desde manhã cedo, havia uma sopa maior, a fazer, mais a broa marmelada, moedas que íamos dando às pessoas.
No fim do inverno fazia-se a contabilidade do estado do país pelo numero de pobres que tinham aparecido.
Na maneira de falar as pessoas também tinham diferenças, as pessoas como nós não diziam asneiras (era feio).Os remediados numa frase com oito palavras diziam 6 asneiras e diziam sempre ("com licença o porco") e quando começaram a ter alguma coisa em casa era tudo "um tu que vocemecê" ).
Os pobres só usavam palavras como "Deus a ajude", "tenha um lugar no céu", "que Deus lhe dê o que merece", "quem dá aos pobres empresta a Deus" e por isto eu achava que estes é que faziam a ligação com Deus.
Mais tarde, em 61, comecei a perceber que os políticos "lá os que mandavam" eram esquisitos pois andavam sempre preocupados e usavam palavras como "ditadura" (igual a "comer e calar") e comunistas (que comiam criancinhas ao pequeno almoço) mas isso não me preocupava muito porque andava lá por longe. E eu corria muito...

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